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Dia da Consciência Negra: orgulho da negritude

19/11/2024 - Em 20 de novembro, o Brasil celebra o Dia da Consciência Negra, que relembra a morte de Zumbi dos Palmares e que, desde o fim de 2023, passou a ser feriado nacional. A data não apenas homenageia Zumbi, mas também é uma oportunidade para refletirmos sobre a luta histórica do povo negro por igualdade, respeito e reconhecimento de sua contribuição para a formação cultural, econômica e social do país. Identidade dos negros no Brasil De acordo com o Censo de 2022, mais da metade da população brasileira (55,5%) se identifica como preta ou parda. Pela primeira vez desde 1872, quando foi realizado o primeiro recenseamento no Brasil, a proporção de pardos superou a de brancos, representando 45,3% da população. Já os pretos somaram 10,2% da população, mais do que o dobro em relação a 1991. Raquel Santana, professora, servidora do Tribunal Superior do Trabalho e autora do livro "As Cuidadoras na Sala de Visita", acredita que esses números refletem um maior entendimento sobre o impacto do racismo na construção da identidade das pessoas negras. "O racismo é um sistema de opressão que coloca as pessoas negras em um lugar de inferioridade”, afirma.  Segundo ela, as mídias e as redes sociais têm ajudado a pulgar mais casos de racismo. “Isso mostra que ele não é um evento isolado, mas uma estrutura que hierarquiza brancos e negros, com consequências devastadoras para quem está na base dessa hierarquia”, assinala. “A discussão sobre identidade negra vai muito além de se orgulhar de ser negro: trata-se de entender como o racismo molda a vida e a identidade dos negros no Brasil". Representatividade no TST No Tribunal, a persidade racial também é celebrada. Características como cabelos crespos e cacheados, peles de diferentes tons e narizes largos representam a identidade e a ancestralidade de um povo rico em história e resiliência, mas que ainda enfrenta preconceitos e estigmas históricos. Atualmente, 819 servidores do TST ocupam cargos efetivos reservados a pessoas negras ou pardas, o que representa quase um terço do quadro da instituição.  "Agora eu amo o meu cabelo crespo" Quem vê Marlucia Santos, prestadora de serviços no Cerimonial do TST, andando, confiante e orgulhosa do seu cabelo crespo e volumoso, pelos corredores do TST não imagina a história de aceitação e superação que ela teve de enfrentar até ter coragem para assumir seu cabelo natural. Ela conta que, desde a infância, sentiu a necessidade de alisar os cabelos para ser aceita na escola e no mercado de trabalho, onde o padrão de beleza exigia o cabelo liso. “Para ser aceita dentro da sociedade, me vi negando minhas origens, apesar de ver mulheres negras lindas com seus cabelos black power na televisão. Para minha realidade, no meio em que eu vivia, era bem diferente. Desde pequena, sabia que existia um padrão de beleza imposto pela sociedade a ser seguido, e eu não tinha outra alternativa, tinha que ir junto”, conta.  Ela confessa que não foi fácil o processo de aceitação e que recorreu aos alisamentos por muito tempo. Assim, casou-se, teve dois filhos, e a mudança só aconteceu quando sua filha, também com os cabelos crespos, lhe perguntou por que o cabelo dela era diferente do da mãe.  Segundo a prestadora de serviços, foi nesse momento que começou a repensar sua relação com seus próprios cabelos e com os padrões de beleza impostos pela sociedade. “Eu não queria que ela vivesse dentro de uma caixinha como eu vivi, queria que ela fosse livre, mas tive conflitos, como vou ficar com meu cabelo crespo, como vou ser aceita no trabalho? E se eu deixar meu cabelo liso, não tenho como ser referência para minha filha”, compartilha. Ela relata que, no TST, ao conhecer a juíza Adriana Melônio, que usava o cabelo black power e roupas com cores fortes, se sentiu encorajada a adotar o próprio cabelo natural. “Quando a vi pela primeira vez, pensei que também era possível para mim. Não foi fácil perceber os olhares e os comentários, mas, toda vez que a minha filha falava, ‘mãe meu cabelo está igual ao seu’, eu tinha mais força para continuar no processo de transição”. Marlucia Santos conta também que não conseguia usar roupas de cores fortes por comentários do tipo “você fica mais preta ainda” ou “preto de branco parecia escravo”.  Agora, ela se sente confiante para usar todas as cores de roupa e reafirmar sua identidade independentemente do local em que estiver.  "Orgulho da minha pele negra" A pele negra, com suas persas tonalidades, também carrega um profundo significado cultural e histórico. Para Bruno Félix, servidor do TST, sua pele negra é um lembrete constante da força de seus antepassados. “Ela conta a história da minha família, das batalhas que meus antepassados enfrentaram. Cada tom tem seu valor e deve ser respeitado, admirado e exaltado", diz. Ele lembra ainda que, quando era criança, enfrentava preconceitos por ter cabelo crespo e pele escura, principalmente na escola. Esse tipo de discriminação o fez questionar sua própria origem, mas, apesar disso, sempre teve orgulho de ser negro.  Ele acredita que, embora o racismo esteja mais disfarçado hoje em dia, ainda existem barreiras significativas para os afrodescendentes. “Quantos afrodescendentes ocupam cargos de destaque, inclusive nas instituições públicas? Logicamente já me senti inferiorizado em vários momentos da minha vida, e isso não apenas por questões raciais, mas também econômicas. Hoje, luto para ocupar o meu espaço, porque acredito que, independentemente de cor, deveríamos ter as mesmas oportunidades”, defende.  O servidor reconhece que as dificuldades econômicas e raciais estiveram presentes na sua trajetória, mas ele lutou para conquistar seu espaço e foi o primeiro da família a completar o ensino superior e a ser aprovado em concurso público. “Vim de uma família humilde, meu pai era caseiro e minha mãe, frentista. Mesmo com a questão econômica, percebi que o racismo era um fator que dificultava, ainda mais, o avanço da minha família. Mas, com esforço e dedicação, hoje estou aqui e não vou parar de lutar pelo meu lugar”. Para ele, assumir sua identidade negra é um ato de valorização pessoal e coletiva. Trata-se de reconhecer e valorizar o povo negro, ao mesmo tempo em que se busca incentivar outras pessoas a se perceberem, se identificarem, se assumirem e se valorizarem. "Expor a minha negritude foi, acima de tudo, sentir orgulho de fazer parte de uma população historicamente estigmatizada e desejar mudar toda a configuração ruim que era atribuída a esse grupo", pontua. Inclusão efetiva A servidora Raquel Santana compartilha sua jornada de descoberta da identidade negra, destacando que cresceu em um ambiente que reforçava o "mito da democracia racial" no Brasil. Segundo ela, acreditava-se que as relações sociais eram harmônicas e que a pobreza, não a cor da pele, era o principal problema.  Na sua infância, ela conta, foi ensinada a ver a falta de dinheiro como a principal causa da exclusão social, acreditando que, ao superar a pobreza, seria possível alcançar uma sociedade mais democrática. No entanto, sua visão mudou ao ingressar na Universidade de Brasília (UnB), onde teve acesso a novas informações e passou a entender que as dificuldades enfrentadas por sua família não eram apenas consequências da pobreza, mas também do racismo estrutural.  "Na UnB, depois de ter entendido que eu fazia parte desse sistema de opressão racial, foi que eu consegui compreender que a minha negritude não era problema, que ela era criada como uma questão em razão do racismo, de um sistema e da própria branquitude nos posicionar em um local de inferioridade", afirma. A servidora compartilha que sofreu esses impactos durante toda a graduação, o mestrado e em locais de trabalho onde já esteve, como estagiária ou profissional. “Esses são aspectos que me fizeram entender que a minha negritude se conformava na medida em que eu conseguia me afastar, cada vez mais, da ideia e das identidades pré-concebidas que o racismo criava de mim. A partir disso, fui tentando jogar com as próprias estruturas, para tentar, de alguma forma, me distanciar delas”. Para Raquel Santana, “o problema do racismo no Brasil não é apenas das pessoas negras”, e a quebra das barreiras sociais “depende das pessoas brancas” se associarem em práticas e ações antirracistas. “As pessoas negras sozinhas não vão conseguir alcançar um sistema mais igualitário para todas e todos”, avalia. É preciso, de acordo com a servidora, que a população branca tenha uma postura para incluir, de forma efetiva, a população negra em todas as esferas da sociedade. O papel do TST na promoção da inclusão racial O TST tem se comprometido a promover a igualdade racial e a combater o racismo dentro da instituição. Mais do que criar normas, o Tribunal busca construir um ambiente onde todos, independentemente de sua cor ou origem, se sintam valorizados e respeitados.  (Flávia Félix/JS)
19/11/2024 (00:00)

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